quinta-feira, 6 de agosto de 2015

Abrolhos - VIA BANDEIRANTES- A última grande batalha ou NADA DO QUE FOI SERÁ DE NOVO DO JEITO QUE JÁ FOI UM DIA!

   -- “Lasciate ogne speranza voi ch’intrate” (Ao entrardes aqui, abandonai vós toda a esperança!) Trecho do Canto III – Inferno, A Divina Comédia – Dante Alighieri --



 "Os braços já estavam em frangalhos, a respiração ofegante, o instinto em alerta. Um pouco de força, sabiam que ali era o ponto crítico. Cair ali seria despencar centenas de metros abaixo, passando em apenas alguns segundos num voo livre pela famosa Fenda Principal."


     Há muito que Roberto e Papael estavam se “ensaiando” para essa aventura. Seria a cereja do bolo, o “gran finale” e, por consequência, uma das mais difíceis peripécias que a dupla tinha colocado como sonho a ser executado no Marumbi. A outra foi quando executaram os 9 cumes do Marumbi em apenas 16 horas. A referência acima do texto do início do século XIV era o que sabiam da Bandeirantes – Se entrassem na via não poderiam mais voltar – a saída seria apenas para cima, apenas pelo cume.
     Roberto contava já com seus quase 64 anos de idade, Papael com seus quase 95 kg. Ambos gozando de uma saúde invejável.
Rafael Kozechen (mais conhecido como Papael) conheceu o Marumbi em 2010, Roberto M. Carneiro (mais conhecido como Robertinho) começou a frequentar assiduamente a Montanha Azul 43 anos antes. Em 1973 Robertinho já tinha colecionado várias subidas, inclusive algumas na Via Bandeirantes, no Abrolhos. 
     Essa via, atualmente está configurada assim - Via Bandeirantes 150m IV M1.


     Roberto comentava que a via antigamente só tinha dois lances difíceis: um já na saída para alcançar um grampo seco e outro chamado “cavalinho”. O resto era uma subida vertical porém protegida, ora por galhos e raízes ora por grandes platôs. Portanto, era comum levar pessoas “inexperientes” para o primeiro contato com paredes. Porém, anos depois um desmoronamento reconfigurou a trilha, transformando-a em uma via bem exposta. 
Bandeirantes - Setembro de 1973
     Para torna-la “usável”, os montanhistas colocaram algumas cordas fixas para auxiliar a subida nas áreas mais expostas e, em geral, com bases em platôs de matos e taquaras que não passam dos 50x50 cm, já quase caindo por ação das intempéries climáticas que ocorrem por lá e pela fragilidade da mata. Ou seja, estava bem diferente daquela frequentada por Robertinho nas décadas de 70 e 80.
     Já Papael, conheceu a trilha que leva ao Parque do Lineu em 2013, junto com Camila Armas, Rodox (Rodolfo E. Nickili Neto) e Cover (Giancarlo Castanharo) que naquela oportunidade iriam escalar a Via Maria Buana. Ali, Papael pode olhar com mais clareza o que lhe esperava e pode estudar um pouco melhor as paredes. Subiu dois pequenos patamares em direção ao grampo, sendo chamado a atenção por Camila com um suave “Papael, desce dai!!!”, sinal de amizade, cuidado e segurança. Atendeu prontamente ao pedido.
     Depois disso, Papael começou a estudar a via, tirou cópias de passagens em livros que falavam sobre a Via Bandeirantes, analisou fotos antigas e pediu várias informações e croquis. Conseguiu alguns descritivos preciosos com “Tavinho” (Gustavo Castanharo) e boas dicas com Bruno Lespinasse, Cover, “Segundas” (Fabio Szezesniak) e “Chiquinho” (José Luiz Hartmann). Estava pronta a festa.
     Após, várias visitas com chuva ao Marumbi, Roberto e Papael rumam novamente ao Parque Estadual; em uma manhã chuvosa de sábado, no dia 25/07/2015. Após uma hora, o tempo abre como um milagre. Era um sinal. Na manhã seguinte, recebem a visita de Dom Carlos de Cascavel e após uns minutos de conversa a dupla ruma às 9:15hs em direção ao Parque do Lineu. No caminho encontram um grupo que lhes havia dito que iriam tentar fazer o conjunto. A dupla aconselha o grupo em abortar, pois eles estavam em hora avançada, lentos e com alguns integrantes debilitados. Sugerem que sigam apenas para o Abrolhos.
     Minutos depois são alcançados por Segundas, Bruno e Chiquinho, que rumam também ao Parque com previsão de dois pernoites para uma futura abertura e conquista de via. – Na semana seguinte, são informados que Chiquinho retornara ao Parque do Lineu para continuar sua empreitada e  levara uma queda, onde acabou se machucando, tendo que ser resgatado por helicóptero-
     Chegam no rio perene da entrada do Parque no Lineu e ali são interceptados por Leandro Pacheco e Liamar Pereira (CPM) que também vão para a Bandeirantes.
     Na base da via Enferrujados, todos se reúnem para um lanche, hidratação e descontração. Robertinho e Papael seguem em direção a trilha. Papael guia esse começo de trilha e os leva até a base da canaleta em diedro que dá acesso à um grande grampo antigo subindo três patamares à esquerda na base da via Maria Buana e da Fenda Principal. Nesse ponto, Roberto passa a guiar e sobe em livre, sendo calçado por Papael que segura seus pés na rocha para que ele não escorregue. Depois da metade da parede ganha, Roberto sobe solo, com esforço e muita coragem para alcançar o grampo e não descer os 15 metros abaixo, levando em suas mãos a corda que fará a segurança para Papael. Roberto passou a corda pelo olhete e Papael, juntamente com um pouco de técnica de escalada faz uma espécie de “auto-reboque”, lembra-se do conselho do Segundas: "Só não pode cair, senão...". Mais alguns movimentos para cima.  A primeira parte estava superada.
Auto-reboque


     A partir dali, galgaram metros à esquerda e subiram, erroneamente, cerca de 5 metros por um lance de pedra, provavelmente algo como um grau V. Viram uma canaleta à esquerda, provavelmente o caminho a ser seguido, porém resolveram esperar a dupla Lia e Leandro que vinham logo atrás ao ver que poucos metros à direita estavam as chapeletas da Via Maria Buana.
     Leandro, chegando à dupla, exclamou que nunca tinha visto ninguém daquele ângulo e, seguindo à frente, levemente à esquerda, achou o caminho correto. Papael e Roberto tinham feito um lance difícil sem proteção; numa espécie de “não sabia que era impossível, foi lá e fez”. Leandro brinca, que seria engraçado se algum escalador super equipado passasse logo ao lado da dupla com cara de espanto, como se estivesse vendo aquelas cabras montesas em alguma parede.
     Na posição que estavam não poderiam retornar para a base onde erraram, certamente cairiam no precipício.  Após alguns minutos pensando, passaram uma canaleta num salto, agarrando as frágeis moitas de taquarinhas.
     Passado o susto seguiram adiante, Papael na frente, elevando-se montanha acima, se agarrando em pequenas árvores torcidas ou em algumas cordas que apareceram depois do desmoronamento. Após mais alguns lances, chegam em uma canaleta com diedro. No alto dele a canaleta continua estreita na horizontal, com uma pedra grande encaixada no topo da parede, logo acima mais um paredão em negativo, formando um teto muito estreito: Chegaram ao Cavalinho. Roberto vai na frente, agarra-se na frágil vegetação até atingir o ápice do lance; de lá, vira o corpo para a direita e encaixa sua perna esquerda na canaleta estreita, encaixando junto com o quadril, também o torso na pedra. Pronto, estava montado no Cavalinho. Dali foi passando os singelos metros à frente, raspado levemente as costas no teto da parede. Mais um pouco e alcança o platô com um árvore segura. É a vez de Papael que repete os movimentos. Porém, ao chegar no ápice, quebra uma árvore seca causando um grande barulho. Papael estava muito bem apoiado, mas Roberto, que estava de costas, leva um susto trazendo “o coração para a boca”, pensara que seu companheiro tinha despencado. Passado o abalo emocional causado pelo inesperado, Papael, por ter o corpo maior, na metade do lance é obrigado a segurar a pedra e deslocar o corpo para fora da parede, segurando-se apenas com as mãos e fazendo pressão com as botas contra a parede, pois entalaria facilmente se seguisse os mesmo movimentos de Robertinho. Papael, antes de executar os movimentos, lança a mochila, a corda e o chapéu, pedindo para seu companheiro laçar a árvore com a corda e amarra-se. Ato simplesmente para uma segurança psicológica. Se caísse, cairia igual à um coco na parede. Mas não despencaria no precipício. Minutos depois, estava a dupla junta, segura, esperando os outros dois companheiros que vinham atrás e estavam melhor “preparados” com equipamentos. Apertaram as mãos!
Papael observa Liamar passar no Cavalinho, Leandro camuflado dá segurança.
     A dupla, a partir dali, já sabiam que já estavam com a escalada no bolso. Seguiram por mais alguns metros por paredes e platôs, até chegar no último lance de corda fixa. Um platô bem instável, quase caindo. Os braços já estavam em frangalhos, a respiração ofegante, o instinto em alerta. Um pouco de força, sabiam que ali era o ponto crítico. Cair ali seria despencar centenas de metros abaixo, passando em apenas alguns segundos num voo livre pela famosa Fenda Principal. Ali, depois da corda, Papael diz a Roberto: “Posso estar enganado, mas acredito que não. Robertinho, eu já estive aqui!
Mais alguns metros e olhos curiosos de aventureiros já no cume do Abrolhos veem surgir do abismo à sua frente duas figuras pitorescas nas paredes, eram Roberto e Papael. Olham a dupla com rostos intrigados e perguntam de onde vieram.
     Os companheiros respondem orgulhosos: Viemos pela Bandeirantes, pela parede. Aquele paredão “laranja” que vocês viram lá de baixo – Explicação mais simples para que os incautos visitantes entendessem melhor- São saudados efusivamente. Alguns, pedem para registrar o momento, pedindo para tirarem fotos com Roberto, símbolo de disposição, jovialidade e experiência. Papael e Robertinho cumprem um bom e velho ritual que mantém: Apertam as mãos. Mas desta vez, agregam um abraço! Roberto pede uma foto com Papael para "eternizar" o feito. Tinham acabado de conquistar o Abrolhos – montanha essa que, vista dos Desfiladeiro das Lágrimas, se assemelha à uma figura monstruosa, vigiando furtivamente, espreitando suas vítimas na Estação Marumbi. Tinham acabado de dominar o monstro colossal e colocados prostrados aos seus pés todos os objetivos que tiveram para aquele conjunto. Era o fim. Saíram vitoriosos.  Logo são alcançados por Lia e Leandro Pacheco. Os quatro cumprimentam-se!
Foto no Cume do Abrolhos após Via Bandeirantes.


     Papael e Roberto, após a assinatura no livro de cume, onde contaram sua aventura, abraçaram-se para uma última foto. Breve descanso e partem para a descida da montanha, pelo caminho usual.
Assinatura do Livro de Cume


     Foram cinco tentativas anteriores que não deram certo, foram frustradas ora por condições climáticas, ora por condições físicas e psicológicas. Esta seria a última tentativa. Superado finalmente. Vendo as imagens agora, um turbilhão de lembranças percorreram a mente de Roberto. Lá, ele estava bem tenso, não havia tempo para reminiscências. Ficaram algumas penas aqui e outras ali no caminho. Segundo Roberto, eram dos nossos anjos da guarda. Poucas foram as fotos pois não sobravam mãos para segurar máquinas e/ou celulares.

Cumpriram a meta, chegando à Mansão 4 Bicos, na Vila do Marumby às 16:10hs, orgulhosos! Comemoram! E não pensam mais em nada!
Linha aproximada da Via Bandeirantes


Assinatura no Livro de Presença da Mansão 4 Bicos

Nenhum comentário: