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terça-feira, 28 de abril de 2015

Bom dia, Vietnã!!! - Quando os soldados são forjados na Serra -


" Foi quando se manifestou do nada o lado brilhante e instintivo que alguns montanhistas têm. Lembro até hoje: Tínhamos pouca visibilidade, o GPS não dava o sentido correto da trilha, andando em gangorra com as mochilas cada vez mais pesadas e não encontrávamos a trilha certa. Então segue  um minuto de silêncio. O Papael, praticamente possuído, vira para a sua esquerda, pronuncia um estrondoso "Chega!!!",  abre 3 metros de quiçaça e cai exatamente na trilha, em frente à fita que claramente indicava que ali era a crista do Caratuva. Algo que considerei praticamente sobrenatural dada a altura que já havíamos percorrido desorientados pelos rios."    

 Esse texto foi escrito por Fabio Sieg, um dos idealizadores da Travessia Triangular Menor do Ibitiraquire. Realizada em Abril de 2014

     Qual ideia deve ser o centro de um relato acerca de uma travessia pela imponente e desafiadora Serra do Ibitiraquire? Possivelmente essa ideia central seja o sentimento.
     Desafiando 15 cumes, 4 amigos, que se conheciam poucos meses antes, em 4 dias, ensinavam lições à própria fé, fazendo por si, cada um, o esforço máximo não só para o sucesso, mas para a felicidade e união de um grupo.
Esse relato é parte de como nasciam, naquela época, um grupo montanhístico chamado "Os Loucos do Ibitiraquire".
     O primeiro sentimento que temos nessa experiência é o do contato com o novo. Lembro que conversamos pouco pela internet, tão logo surgiu a ideia de fazer a loucura de sair da Fazenda Pico Paraná, cruzar todas as montanhas da serra e bater uma espécie de “31 meu” nas placas do Ciririca. E tínhamos, para isso, o feriado de Páscoa e uma grande vontade de fazer a proeza acontecer.
     Poucos relatos, principalmente dos montanhistas mais experientes da serra, mostram os bastidores das trips quando se configuram por meio da internet entre desconhecidos. Era o nosso caso...
    O Papael Kozechen era o cara são da turma (por ai dá para ter uma noção de que a coisa não estava boa), sua grande experiência permitia que o mesmo nos chamasse de loucos e insanos quando íamos propondo absurdos de tamanha pretensão em tão pouco tempo. De tão pessimista, digo: “realista”, chegou (em suas próprias palavras) a ser meio chato, mas se redimiu mostrando ser um grande líder e um amigo muito especial na hora de materializarmos o nosso combate daqueles dias de Abril, majorando o respeito que adquiriu, ao longo dos anos, como montanhista.
     O Adilson Cypriano era o idealizador da parada. Eu lembro que já naquela época ele era o mito do facebook, era o cara que vinha lá de São Paulo agitar as Trips aqui no Paraná. Eu o conhecia por uma dessas investidas no Marumbi. É uma cara que para sempre vou considerar muito, seja pelo amor, respeito e admiração que tem pelas montanhas ou então pela habilidade que adquiriu para permitir que a esposa lhe libere para isso (ele mesmo sempre fala disso, rsrs)
     Gabriel Good Neto só dava risada, apesar da anarquia, sempre foi a parte otimista do grupo: o piá novo, resumindo e estampando por fora tudo aquilo que todos ali eram por dentro. Fazia as coisas ficarem leves por meio do seu grande carisma, que misturado com sua pouca idade (comparados aos velhos aqui), fizeram dele o mais atazanado em todo o caminho.
     Existem outros nomes. Alguns dos que estão entre os "Loucos" ajudaram durante a logística, pois os perrengues da vida não possibilitaram as suas participações efetivas. Cito o grande André, cara guerreiro que poupou seu joelho lesionado por recomendação médica e o Kelvin, que iria apanhar em casa se embarcasse nessa. (Brincadeira, o Kelvin foi um grande parceiro e um dos idealizadores da aventura, mas tinha compromissos inadiáveis naquela Páscoa e deixou claro desde o começo, sendo sua atitude de colaborar, mesmo não podendo ir junto, muito louvável).
     Bem, eu sou o Fábio Sieg e sei lá o que eu fazia ali, só sei que eu tinha uma fé inabalável que iriamos conseguir, fora isso eu tinha umas garrafas de 5 litros de água, um gênio meio porra louca, papel e caneta na mão.
     O primeiro contato que tive com o Papael foi no Clube Paranaense de Montanhismo.
     Ahhh!!! Bem legal, um louco que subiu a Cadeia de montanhas do Cerro El Plata, na Argentina, com apenas 20 reais e ia dar uma palestra sobre o direito de ir e vir.
     Cara, o surreal começava ali, estava numa espécie de templo de loucos por aventura e o cara que foi declarado o sumo pontífice da montanha, em pessoa, era quem proferia a missa. Era um louco e ganhou imediatamente respeito e consideração suficiente para irmos ao boteco planejar toda a parada.
Naquele dia também conheci o Good: diretamente de Mafra/SC para o mundo, Gabriel Good veio de lá para assistir a palestra do Papael. Cara de adulto sério, se tornou lenda dos comentários virtuais e bastante comentado no dia pelos outros CPMs. Gente boa demais, apesar da cara de bandido homoafetivo.
     Éramos nós três num bar, o Kaes, no bairro Cabral em Curitiba e mais duas moças, a Andressa Zanlorenzi e a Lia Pereira, que saíram do Clube conosco e já tinham andando por diversos lugares e escalado um monte de coisa, ou seja, tínhamos muito assunto. Estávamos os 5 lá, papeando.
     E por falar em papear, eis que o Papael abre uma carta topográfica na mesa e deixa de ser pessimista e entra na onda. Fala daqui, fala de lá, mostra uma trilha daqui, uma trilha de lá e pronto. Já tínhamos uma prévia de que estávamos sendo meio retardados de tentar fazer a trip apenas com aquele pouco tempo e um par de pernas. Teríamos que ter logística para não morrer e nos tornarmos um exemplo do que não deve ser feito.
     Um dos grandes pontos positivos daquela conversa foi que, a partir dela, orientamos melhor as coisas e estávamos com os pés mais no chão. Acabando assim com o "fuzuê" que estava virando os planos no Facebook. Planejamos necessidades: enterrar comida e água nos caminhos, pois o peso seria um dos grandes rivais da empreitada.
     Foram dois pontos alvos de nossos planos. Enterrar comida no Cerro Verde, e assim fitarmos o caminho até lá, que na época era bastante complicado, pois umas chuvas reconfiguraram a vegetação meses antes. O mesmo precisava ser feito no Itapiroca. Dessa forma, enterrando água e comida, teríamos que carregar, por baixo, uns 20 quilos a menos durante o trajeto.
     Os primeiros ataques foram feitos pelo Papael e eu. Num dia relativamente bonito fitamos umas correções no Itapiroca, pois até ele estava meio alterado em função de algumas quedas de árvores, e nos direcionamos ao Cerro Verde. Lembro que na época ganhamos muita confiança, pois era um trajeto que havíamos planejado fazer para dormir, levando, inclusive, barraca e fogareiro, mas não foi necessário. Era praticamente uma hora da tarde e a missão já estava completa.
     Naquele dia encontramos, por coincidência, o Alexandre Pizollato, um dos Loucos desde aquelas épocas. Ele voltava com a namorada, nos disse que o caminho estava muito tortuoso. Tentou atacar o Ciririca por cima e falhou onde, inclusive, temíamos a nossa falha. Na época descobrimos uma trilha secundária que enganava o povo ali e fitamos imediatamente a entrada correta para o caminho ao Cerro Verde, quem sabe a grande sacada do dia.
     Deste dia veio a grande primeira lição. “Esforço”, esse é o amuleto da sorte. Fazer aquele trabalho antecipado nos permitiu ter uma visão ampla e uma aproximação com a totalidade do que enfrentaríamos. Mais à frente, já nos dias de travessia, foi decisivo e determinou o sucesso da Trip.
Voltamos, já escurecendo, pela Fazenda da  Bolinha, onde pedi resgate para uns colegas.
     Retornando muito confiantes e já sabendo que conseguiríamos, foi um dia de ótimas lembranças e de muitas risadas, grandes histórias de aventura e de piadas fracas do grande amigo Papal.
     O segundo ataque fiz sozinho. Uma noite chuvosa daquelas em que é melhor enfrentar a natureza do que algumas saudades. Por coincidência, dessas muitas, encontrei o André, acampado com sua Azteq Nepal lá na Fazenda Pico Paraná. Quando soube que eu ia para o Itapiroca ficou meio assustado em função da previsão de chuva. Mas recomendações, boa sorte, e fui! No caminho, tão logo passei a bica, a chuva não permitia mais andar em meio aos galhos e a temperatura começou a baixar abruptamente, decidi abandonar a carga, escondida no caminho, e descer até a casa base. Era hora de ser prudente. Lá, dormi e tão logo o dia nasceu encarei a missão que já no dia anterior eu havia iniciado.
     Com a luz do sol e menos chuva, subi nossa carga e enterrei uns 7 quilos de comida e um galão com 5 litros de água, um ao lado do outro, em meio ao bosque que segue entre o cume falso e o verdadeiro do Itapiroca, sentido Cerro Verde.
     Encontrei o dono de uma marca de roupas fazendo making fotográfico, apesar do dia meio feio. Conversamos muito e ele achou bacana a ideia da Trip. Descemos com um outro colega até o cruzo. Não aguentei, subi o PP para dar aquela energizada e desci chegando bem tarde em casa e cansado pacas. Dormi como em nenhum dia daquela semana.
Umas semanas depois fomos novamente eu e o Papa fitar do Caratuva até o Taipa, um trecho que estava bem pior do que aquele fitado no mês anterior. Com tempo excelente não tivemos dificuldades além do sol forte.
     Isso mostra que a Trip começou muito antes dos dias de caminhada oficiais. Fomos dignos já pelo esforço que antecedeu, usando ao máximo o senso lógico e prevendo situações que poderiam surgir. Mas nada na vida é perfeito, algumas falhas ocorreram e muito aprendemos com elas.
Chegou o feriado de Páscoa. Combinei com o Good Neto para ele pousar lá em casa. Ele mora em Mafra e eu não deixaria um amigo desse pagar hotel desnecessariamente. Avisei minha família da situação e todos dormiram armados até os dentes, esperando pelo pior, que não aconteceu. Brincadeira. Fizemos os últimos ajustes no GPS, nas mochilas e fomos dormir meio tarde para no dia seguinte partir.
     Pegamos o Papael no caminho, que logo já começou a contar piadas, se abriu todo ao ver o Good e deu espaço para que a zueira não tivesse mais fim. O Adilson estava um pouco a frente, no posto próximo à Fazenda da Bolinha. Era tanta chuva que antecedeu aquele começo de outono, lá por meados de Janeiro, que a estrada até essa fazenda havia sofrido erosão completa em um trecho e os carros não passavam mais, a partir de uma parte dela.
A icônica
     Ali deixamos o automóvel dele e fomos com o que eu dirigia, já arrumadas as mochilas, até a Fazenda Pico Paraná onde oficialmente a aventura começaria e arrumaríamos as mochilas mais uma vez como uma noiva faz com seu vestido na véspera do casamento.
     Uma neblina dava a cara de Abril para o dia e apostamos nas boas previsões do tempo para aos próximos dias, que na verdade nem eram boas. Subimos o Getúlio batendo papo, tirando foto e por ironia comentávamos que o primeiro dia seria o mais fácil. Os planos eram subir o Caratuva, deixar a carga, atacar o Taipabuçu e retornar até o A1 em direção ao Pico Paraná. O tempo começou a firmar e isso incentivou muito o grupo.
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     Após atacarmos relativamente bem o Taipabuçu, subimos novamente ao Caratuva e percebemos que seria, em função do tempo, inviável chegar ao A1 com aquelas mochilas. Decidimos entrar mata à dentro utilizando a inóspita trilha da conquista para acelerar os passos e possibilitar a manutenção dos planos.
     Então, o dia que era para ser o mais fácil tornou-se o mais difícil.
     Nos perdemos, durante cerca de uma hora, sendo desorientados pela névoa, a falta de luz e  por dois rios que se formam logo no vale que segue ao A1. O GPS não colaborava, a neblina ficou extremamente densa e a temperatura baixou drasticamente. O psicológico pesou e: Meu Deus!!! Era o primeiro dia!
     Foi quando se manifestou do nada o lado brilhante e instintivo que alguns montanhistas têm. Lembro até hoje, tínhamos pouca visibilidade, o GPS não dava o sentido correto da trilha, andando em gangorra com as mochilas cada vez mais pesadas e não encontrávamos a trilha certa. Então segue  um minuto de silêncio...
     O Papael, praticamente possuído vira para a sua esquerda, pronuncia um estrondoso "Chega!!!",  abre 3 metros de quiçaça e cai exatamente na trilha, em frente à fita que claramente indicava que ali era a crista do Caratuva. Algo que considerei praticamente sobrenatural dada a altura que já havíamos percorrido desorientados pelos rios.
     Descemos como um raio por ela, extremamente fechada tornou-se lúcida ao sairmos do bosque e ficarmos na região tapeteada por caratuvas, por onde a trilha se desenha até a entrada do A1.
     Mas não pense que a pernada foi pouca. Acampamos já era tarde. A “perdida” havia desmotivado psicologicamente o grupo. Lembro que a janta foi o que nos motivou e ao dormir o céu deu sua deixa, transpondo suas nuvens e abrindo-nos as estrelas em uma lua minguante daquelas que não se esquece. A serenidade do Adilson foi importante naquele dia, mostrou estar muito mais centrado e calmo ante o desacerto que tínhamos enfrentado. A noite estava quente e bivaquei na porta da barraca, foi uma noite excelente para um dia que havia nos torturado.
Comida de Astronauta. Feliz dia de Cosme e Damião!
     O segundo dia foi decisivo - Tivemos a lucidez de que deveríamos ser rápidos ou não teríamos como terminar - nossas diferenças não eram mais úteis. O Papael assumiu o comando da caminhada e democraticamente decidíamos juntos os caminhos.
     Praticamente correndo, assustando os turistas do feriado, fomos em direção ao PP logo cedo. Chegamos rápido e tivemos nosso momento de prece e zombaria. Dançando Moon Walk no Cume enquanto o sol secava a roupa que a neblina da noite havia detonado. O desgaste já era um vilão. Para rimar com vilão descemos o União, sentido Ibitirati.
Moon Walk no PP
     Abismos lindos nos seguiam e em pouco mais de uma hora estávamos no cume sagrado do irmão pouco frequentado do Pico Paraná. Em minha opinião o melhor momento que tivemos em toda a Trip, um pedaço de manhã no Ibitirati.
O Segredo das paredes do Ibitiraquire Broken Montain
     Descemos como aquela criança que guarda seus brinquedos e retornamos para o A1. Dando aquela olhadinha para o Morro dos Camelos, que estavam nos planos, mas não tinham espaço apenas em 4 dias.
Discoporto
     Chegamos relativamente cedo ao A1, onde nos calçamos das pesadas mochilas e partimos ao local do nosso segundo acampamento e nosso sexto cume, o majestoso planalto do Ibitiraquire: Itapiroca. Dormimos no que se consistiu em uma noite fechada pela neblina, no entanto gentil com relação à temperatura. Então um dos destaques daquela trip fez diferença: tínhamos muita comida enterrada!
Um fato que mostrou muito que Deus estava ao nosso lado foi que, quase no cume, alguns poucos metros mesmo, vimos um rapaz com um galão de 5 litros na mão. Perguntamos como quem não quer nada se ele tinha água sobrando para nos doar. Ele gentilmente nos ofereceu o galão cheio e inteiro. A ironia foi que ele falou com uma veracidade tão inquestionável, que nos fez acreditar que aquele galão tinha sido levado por ele lá para cima.
Sexto Cume : Itapiroca

     Quando fomos desenterrar a comida, pra nossa surpresa: haviam encontrado nossa água (sim, era o galão do cara: safadheeenho!), mas não haviam descoberto, ao lado, por muita sorte, nossa comida, pois a urna em que ela estava era preta e se confundiu com o solo. Huuuu... Mais sorte que juízo.
     Comemos como reis naquela noite. Tínhamos muito mais comida do que era necessário e foi exatamente isso que nos deu capacidade de prosseguir muito mais recuperados do que era previsto.
Não lembro quando foi, mas nesse intervalo até o Itapiroca decidimos que não seria possível fazer o caminho até o Ciririca por cima, pois estaríamos muito mais pesados quando pegássemos a comida enterrada no Cerro Verde. Mas nosso combinado era que chegássemos no Ciririca. Só assim a travessia teria o sentido inicial.
     Quando estávamos indo ao Cerro Verde - o Papael escrevendo sempre nas caixas de cume com seu tradicional folheto/adesivo do panda - decidimos batizar a Trip, e por coincidência, naquele momento eu pensava que nosso rastro pelo Ibitiraquire era em formato de um triangulo. Sugeri de imediato: Travessia Triangular do Ibitiraquire e unanimemente todos gostaram. Um pouco a frente, quando vimos que as pontas do triângulo seriam o Ferraria, o Ibitirati e o Agudos, decidimos adjetivar o nome dela para não confundir as coisas: Travessia Triangular Menor do Ibitiraquire. Dessa forma, o próprio batismo da primeira já nos desafiava para a próxima: A Travessia Triangular Maior.
     O tempo melhorou um pouco na tarde que pegamos a comida no Cerro Verde. Atacamos na sequência o Tucum, como parte da rota que desviaria o caminho por baixo. Levamos uma perdida ali que nos fez entender definitivamente que entrar mata à dentro por cima era uma péssima escolha e que havíamos acertado na escolha de ir por baixo. Ele foi nosso oitavo cume, e ali as variações de altimetria, somada ao cansaço dos dias, começou a pegar.
Acampamos no Camapuã, o que de brinde nos trazia o cume do Camacuã que foi visitado mais tarde. Assim sendo, já tínhamos 10 cumes até então. 13° ascensão.
Ceia de Pascoa no Camapuã
     A noite de acampamento foi a mais tensa de todas. Fomos surpreendidos por uma chuva que lembraremos por muito tempo. Dessa vez, sem gentilezas, a natureza nos agraciou com um frio que descontrolava o tremor do queixo. Cozinhar foi uma tarefa tensa e salvadora naquele momento.
O mestre cuca do sopão era o Papael, eu ficava com a atribuição de segurar o fogareiro dentro da barraca com a responsabilidade de evitar um incêndio. Foi praticamente uma cirurgia aquele prato de sopa. Ai veio o segundo problema, levar a sopa para a outra barraca, no meio da tempestade, que não daria trégua durante toda a madrugada.
     Não lembro agora se foi o Papa ou eu que acabou levando a "delicia delivery", mas eu lembro que no meio da noite a barraca dos caras estava sofrendo por conta do vento e uma lona mantida sobre ela evitava que o vento a levasse, e aqui não exagero em nada, por aí vocês já podem ter uma ideia da seriedade da situação.
     Eu tive um momento de “coragem”, sai da barraca com a roupa molhada e em um frio antártico cantando Raul Seixas enquanto tentava arrumar a lona para eles, o vento era tão forte que dava socos na lona e me puxavam junto, no auge dos meus 120 quilos de músculos definidos e torneados. Com cordas e o que era possível, travei a barraca deles contra o vento e os colegas sobreviveram, foi essa atitude de companheirismo, pela qual, em consonante opinião, salvou-se uma noite catastrófica, para apenas uma noite caótica. Mais tarde o mesmo companheirismo me foi retribuído em dobro.
     Até então, nossa maior preocupação parecia ser arrumar novas formas para zoar o Good Neto que, injuriado, começava a dar sinais de mau humor. Então, de tanto zoarmos o mau humor dele, ele desistiu do mesmo e começou com o tradicional e lazarento: Bom dia, Vietnã!!!!! Acordando até os urubus do Ibitiraquire.
Favela no Camapuã
     Por dentro a coisa era mais tensa. Sabíamos que adentraríamos rumo ao Ciririca com o trágico daquelas árvores que haviam caído em Janeiro e levado grande parte da trilha junto. Estávamos cansados e lacerados pelo esforço das ascensões ininterruptas. Porém, era hora de focar e partir.          Sabendo que seriamos tentados ao passar pelo cruzo que nos levaria novamente ao conforto de nossas casas mais rapidamente em um dia fechado.
     Nessa hora tivemos certeza de que éramos guerreiros de verdade e que nosso forte era a determinação. Demos as costas para aquele cruzo de perdedores, escondemos as cargueiras no mato e fomos, de ataque, e dando as costas para a vida social que podia ser escolhida naquele instante. Subimos com o vigor que ninguém compreende, mas dá sentido ao montanhismo. Éramos nós contra o Ciririca, já no 4° dia de subida, caminhada exaustiva, cansaço extremo e as piadas do Papael.
     As minhas dores já não eram suportáveis e creio que a partir da metade do trajeto o joelho parecia estar sendo perfurado por brasa, mas o corpo quente mantinha a cadência dos passo.
     Próximo à corda, marca do Ciririca, encontramos o "Power Ranger Branco" da trip, aquele personagem que aparece  do nada quanto a coisa  está realmente complicada: Eis que aparece nosso amigo Anderson EP. Estava simplesmente atacando o Ciririca na boa, após ter chovido e com o dia parcialmente nublado. Ai víamos que a montanha nos respeitava e abria os portões de seu castelo.
     Ele seguiu até o cume do Ciririca com nós 4.
Equipe inteira reunida
   
Porque fumaça pouco é piada
     Cansados e inacreditavelmente felizes por dentro, nos encantávamos com a paisagem da brava e respeitada montanha. Não importava a neblina, não importava nada. Livro de Cume assinado, registro feito. O K2 da Serra do Ibitiraquire era nosso!
Mas faltava sobreviver.
Inaugurando a Travessia Triangular Menor do Ibitiraquire
     Após o corpo esfriar, por ficarmos parados no cume, a dor rompeu o limite do tolerável. Desci como se o joelho fosse um inimigo ingrato por ter sido maltratado no caminho.
     Com ajuda dos companheiros e com os olhos lacrimejados de dor, do tipo que não é viadagem, chegávamos cada vez mais perto da fazenda que findaria a conquista da Travessia Triangular Menor. Começada meses antes e que tanto orgulho nos trazia, ia embora e permitia que voltássemos para nossas casas - pois nosso lar é a montanha - usufruir do controverso conforto que o trabalho social construiu ao longo da história.
Coelhinhos da Páscoa
     Onze cumes de respeito, quinze ascensões e o Sucesso era o combustível, enquanto a trilha de volta parecia nunca acabar.
     Anoitece e o uso das lanternas redobra a sapiência da exaustão e do interminável caminhar. Muitas horas de caminhada, quatro dias completos, quando farejamos o gramado da Fazenda da Bolinha - o latir dos cães vira música. O sorriso e o contentamento tomam conta do grupo.
     Abraçamos a felicidade e comemoramos como um grupo de soldados que voltava da guerra. Poucas forças, dois “sentimentos” contraditórios: A intensidade que apenas a alma sente da conquista e a tristeza da despedida dessa aventura que pretendo nunca mais esquecer.
     Anderson se despede do grupo, volta para o  seu "Megazord" e vai embora. Os outros Rangers seguem em direção à Fazenda Pico Paraná para resgatar o outro automóvel.
     No posto Tio Doca brindamos o feito. Tomamos banho por lá, e água quente tão valorosa não existe. O Adilson segue em direção à São Paulo, nós para Curitiba. E todos distantes estavam juntos em sentimento.
     Ali, verdadeiramente nasciam os Loucos do Ibitiraquire, que até então eram só um grupo no Facebook. Desconhecidos que a modernidade uniu, que até hoje se orgulham do feito a ponto de querer repetir inesgotáveis vezes a façanha, até que esse triângulo que atravessa a serra aumente, ou esse polígono de verdadeiros amigos cresça cada vez mais...

Texto: Fabio Sieg - Loucos do Ibitiraquire
Vem comigo, Tô vendo o caminho...

Altimetria

Marco da Alfa Crucis no vale do Caratuva

Trakinas

Adilson no Cume Verdadeiro do K-2 Paranaense

Vagalume do Ibitiraquire

Éramos 5!
Fênix em flexão - Ressurgindo das cinzas


domingo, 18 de setembro de 2011

CONCEIÇÃO, a fronteira final da Janela perdida.

"Roberto, preparando-se para esta aventura, pensou em filmes de terror, nos mineiros chilenos soterrados por longos dias e noites. Pensou em quanto tempo iriamos resistir em caso de obstrução da saída."
            Tudo começou em 1961, quando a Central  Elétrica Capivari-Cachoeira S/A (ELETROCAP)empresa responsável pela administração na época e incorporada  pela COPEL, no final da obra, que era e ainda é, responsável pela geração e  fornecimento de energia elétrica no estado,  resolveu que Antonina seria um ótimo local para a construção de uma usina hidrelétrica subterrânea. Acontece que o aproveitamento dos rios da região era insuficiente, mas poderiam resolver esse “pequeno” problema com a construção de um reservatório no planalto, com o aproveitamento do curso do rio Capivari que fica a 15,4 km do local onde ficaria a usina. Entre um e outro se encontra a Serra do Ibitiraquire, ou seja, os pontos culminantes da região Sul do país; local esse que é a morada de gigantes como o Pico Paraná (1877m.), Pico Caratuva (1860m.), Pico Ibitirati (1870 m), Pico Ferraria (1835m.), entre outros. A solução seria transpassar a serra com um longo túnel que uniria o planalto ao litoral.
           Enfim, depois de muito trabalho, após 9 anos de preparativos e construção foi inaugurada a Usina Hidrelétrica Governador  Parigot de Souza (UHPS), ou simplesmente Capivari-Cachoeira, nome dos rios que estão envolvidos para a sustentabilidade da obra.
          Pessoalmente, conhecendo o relevo da região, e levando em conta a tecnologia que era aplicada em uma época onde recursos como internet, GPS e outras facilidades não eram utilizadas, reconheço que foi uma obra quase que inimaginável de se concluir. Com certeza, quem anda hoje pelos quilômetros que cercam as obras, deve se perguntar como hoje em dia é possível ser concretizado tal feito, imagine na década de 60.
Bom, após esse breve retrocesso na história, vamos ao presente.
Roberto e eu algum tempo já íamos nos “cutucando” para a visita desse, quase nunca visitado, canto da serra: A Janela da Cotia e a longínqua Janela da Conceição.
Essas janelas, com respectivamente 400 e 1500 metros de extensão, são acessos ao túnel principal que conduz a água da Represa do Capivari na BR-116 até a sala de máquinas subterrânea, em Antonina. Além de acessos, esses túneis eram usados para a retirada do material escavado do túnel principal.
Como sempre, após curto contato telefônico na véspera, Roberto comentou que não estava com muita vontade de “madrugar” para seguir viagem e acertamos que às 09:00 da manhã nos encontraríamos no já tradicional pátio da DIVESA/TREVO DO ATUBA, saída para o Ibitiraquire.
Descemos a centenária Graciosa, e na localidade de São João da Graciosa, tomamos à esquerda, com destino à Antonina. Percebemos um marco de pedra  na margem da rodovia e, curiosos como somos, fizemos o retorno para averiguar do que se tratava. A princípio, refletimos que o marco de pedra com duas placas de bronze, uma referente à  data de restauração do marco na década de 80 e outra alusiva à data de morte (09/06/1917) do Coronel Francisco Antônio Marçalo, poderia ser o próprio túmulo desse importante vulto histórico de Antonina. Esse dado ainda não está ratificado por nossas mentes curiosas, portanto não temos certeza que ali jaz o referido cidadão.
Três quilômetros antes do centro da cidade tomamos novamente à esquerda, destino de quem vai à Guaraqueçaba, Rio do Nunes, Cacatu, Cachoeira de Cima e, assim como nós, à localidade onde termina a estrada, Bairro Alto.
Fiquei empolgado ao ver os vários píncaros que já visitei, vistos de uma nova perspectiva. Sempre tive contato com aquelas porções montanhosas à partir das fazendas acessíveis pela BR-116, e durante o percurso que leva à entrada da propriedade da COPEL/UHPS, os vi ainda mais majestosos e colossais, afinal, estava avistando-os quase a nível do mar.
Enfim, após passar o esqueleto abandonado da antiga Usina Hidrelétrica da Cotia (Cotia, além de nomear a Usina, é o nome do rio que nasce no vale entre o Caratuva, Pico Paraná e Ferraria e era responsável pela força hídrica para o funcionamento da Usina), rumamos para a última fazenda, onde começaríamos a caminhada para o histórico (e quase fictício) “Caminho da Conceição”.  Após breve diálogo com uma moradora começamos a subida do trecho. Durante a caminhada, cruzamos com vários vestígios, tanto da construção da Capivari-Cachoeira quanto do que sobrou da estrutura da Cotia, tais como aquedutos, canos-túneis, muros de arrimo e pontes.
A caminhada se dá, quase que em sua totalidade, em uma estrada larga e pavimentada com cascalho; não por menos, afinal, para a construção da Parigot de Souza, caminhões  maquinarias e fuscas tinham que ter acesso aos terrenos da empreita, e hoje a mesma estrada é utilizada para a manutenção das torres de alta tensão, a qual cruzamos bem mais a frente.  Até a alguns anos atrás, essa mesma estrada estava tomada pelo mato e o que se via era apenas uma estreita trilha com suas adjacências planas. 
Quando a estrada alcança o Rio Cotia e a famosa ruína da ponte dos troncos, o caminho começa a se tornar o que era antes, uma trilha; pois como a ponte quebrada não permite a transposição de tratores ou caminhonetes 4x4, o visitante se vê obrigado a seguir a pé, se já não o fez desde a Fazenda, como foi o nosso caso, que viemos desde a porteira caminhando.








Após passar a ponte, cerca de 100 metros à frente, um olhar atento permite perceber que a esquerda se encontra uma bifurcação.  Essa trilha, que segue por um leito seco de rio, sobe bordejando a margem pela direita do rio Cotia. Olhando atentamente, consegue-se perceber que esse leito de rio seco foi calçado com pedras do mesmo, na época da construção de uma das usinas.  Alguns consideráveis metros a frente a trilha cruza o rio e segue subindo, também pelo leito de um rio seco, porém, pela outra margem do rio Cotia; passando por alguns destroços e carcaças enferrujadas. Vale a dica: tome muito cuidado nesse trajeto, tanto para evitar escorregões (pois existem muitos pedaços de arames e armações que facilmente penetram na pele e também para evitar descer cachoeira abaixo) quanto pela subida repentina do nível do rio (estamos na Serra do Mar, qualquer chuva na cabeceira pode se tornar enxurrada e cabeça d’agua, ficar ilhado pode ser tornar um problema ou até mesmo ser levado na travessia do rio). Metros a frente a trilha torna a cruzar novamente o rio Cotia, num local onde se encontra uma piscina natural, seguindo agora pelo leito do próprio rio. Após aproximadamente 10 a 20 minutos se vê claramente do lado direito um barranco, meio desmoronado e com bases de concreto. Trata-se do Discoporto: um platô quadrado, concretado, com algumas herbáceas e que era usado para o armazenamento do material retirado da britadeira usada para perfurar o Túnel da Janela da Cotia. Para chegar a boca da Janela, a receita é fácil: após chegar no Discoporto, cruze a ponte de ferro antiga, o Túnel estará do outro lado dessa estrutura que era usada pelos vagonetes que retiravam o material e depositavam do outro lado do rio.
Se o leitor não entrar nessa bifurcação que descrevi acima, então continuará “reto” pelo caminho da Conceição, que vai subindo ladeira acima e passando por alguns charcos.
Mais a frente uma larga trilha com saída pela esquerda  se encontra com o caminho da Conceição. Trata-se da Picada do Cristóvão. Essa picada antiga, ligava em tempo idos, os moradores de Antonina e região a várias localidades do planalto como Terra Boa, Capivari e, em minha opinião, a moradores do que hoje conhecemos como Bocaiuva do Sul, em um tempo em que a represa era apenas o leito do estreito Rio Capivari, que nasce na divisa de Colombo com Bocaiuva. A Picada do Cristóvão, hoje, passa ao lado de picos como o Ferreiro e o Guaricana, ligando os extremos de Bairro Alto com a Fazenda Pico Paraná e Fazenda Rio das Pedras.
Mais a frente, o caminhante cruza os fios de alta tensão e ao lado a Cachoeira dos Cabos, que leva o nome justamente por estar ao lado dos cabos de alta tensão. Cruzará uma ponte de ferro e seguindo pela trilha em um capinzal deverá tomar o rumo levemente a esquerda, percebendo a continuação da trilha.
Metros a frente, chegará ao Cânion do rio (nome do rio) e cruzará a segunda ponte de ferro.
A partir daqui a caçada começa.
Já li e ouvi vários relatos de pessoas que a partir desse ponto, mesmo já tendo visitado o local algumas vezes,  procuram muito  e não acham a tal Janela, como se ela simplesmente sumisse do mapa.
Após passar a ponte, procuramos por um tempo e não achamos nada. Ponderamos que seria melhor armar acampamento próximo ao rio e então estaríamos sossegados para procurar melhor, sem a mochila nas costas.
Tomei a liberdade de ligar para um conhecido montanhista, frequentador da região, para pedir melhores informações. Roberto e eu procuramos durante algumas horas, subindo os barrancos e chegamos no final do vale e nada de Janela. Com o cair da noite, achamos melhor deixarmos para procurar com a luz do dia.
Durante a noite, liguei para outros dois montanhistas, e com a união de informações, tínhamos mais base de dados para procurar no outro dia.
Achar o túnel tinha se tornado questão de honra, e combinamos que a acharíamos nem que demorasse mais dois dias, afinal, tempo não era nosso problema.
A chuva começou a cair durante a noite e continuou, hora sim hora não, durante o resto da manhã... Sem pressa, levantamos tarde e após um café, retornamos a “bater” nos locais que procuramos no dia anterior. Refletimos nos dados que tínhamos e resolvemos procurar barranco abaixo e não acima como estávamos fazendo até ali. Tomamos o rumo que deveríamos ter tomado desde o início...
Para quem quer chegar na Janela da Conceição aí vão as dicas perfeitas para o sucesso... Mais mastigado que isso, vai perder a graça:
Após atravessar a segunda ponte de ferro, alguns metros a frente, verá um paredão de pedra quebrada (provavelmente com dinamite) do lado esquerdo, antes de terminar essa parede e começar um barranco, haverá (?) uma árvore caída. Nesse ponto, ao invés de seguir reto, subindo, faça uma leve curva a direita, sempre no nível da ponte. Perceberá que estará em um platô, de pedra brita, onde a vegetação é rala e espaçada. Siga em frente e logo chegará a uma plataforma em forma de H, toda de concreto. Suba na plataforma e cruze-o descendo logo em seguida. Antes de descer da plataforma, um olhar atento levemente para a esquerda poderá perceber a placa branca que assinala a entrada da porta do túnel. Após descer, ande por 50 metros levemente na diagonal esquerda e perceberá “degraus”, restos de concreto e logo a frente, encravado na rocha, a Janela da Conceição. Percebemos que, no dia anterior, estávamos andando por cima do túnel procurando na parte superior.  









Lembre-se: a entrada do túnel fica entre 100 a 200 metros de distância da segunda ponte de ferro.
Entramos no túnel e andamos os 1500 metros que separam o mundo externo com a comporta de acesso ao túnel principal. Uma caminhada simples, por pedra brita, que em alguns momentos fica submersa obrigando ao visitante molhar suas canelas e encharcar suas botas.
Roberto, caçador, finalmente encontrou a presa. Ali escondida, camuflada. Ou seríamos nós a presa e ela, a porta de aço encravada na montanha, a caçadora? Não seria entrar ali e cair numa armadilha, quiçá mortal?
Por instantes relembramos algumas poucas narrativas sobre este local, de aventureiros que aqui estiveram, os últimos, suponho que uns três anos passados "Em alguns trechos a água chega aos joelhos" descrito por alguém com mais de 1,80 mts, “Pareceu-me profunda do alto dos meus 1,60 mts”, pensou Roberto. “E a fezes de morcegos exalando um odor insuportável, infectando chão, paredes e tornando o ar quase irrespirável”.
Quem sabe lá dentro não encontraríamos as mais aviltantes criaturas, num reino de trevas e medos?
Roberto, preparando-se para esta aventura, pensou em filmes de terror, nos mineiros chilenos soterrados por longos dias e noites. Pensou em quanto tempo iriamos resistir em caso de obstrução da saída.
Levou luvas e máscaras descartáveis. Levou até mesmo caneta e papel para um improvável bilhete de despedida. Não teria palavras trágicas, certamente.
Fomos entrando...
E nos tranquilizando, maravilhados pela revoada de morcegos, agora não mais assustadores, mas sim, graciosos. Num imenso condomínio de dezenas de famílias penduradas no teto e em pontas de ferros encravados nas laterais do túnel.
Ao brilho das luzes das lanternas, realizavam um bailado ao decolarem em sequência, alguns retornando em seguida, outros revoando incomodados com nossa intromissão.
Fomos apreciando esta grande obra dos homens em direção ao coração da montanha. Formações rochosas típicas.  Água límpida vertendo por frestas e furos. Dela não emergiriam anacondas e alligators, então abandonamos nossas perneiras para melhor caminhar nos rasos trechos alagados.
Concluímos que foi uma noite melhor, acampados fora do túnel. Ali dentro seria inevitável o sentimento de estar num túmulo na montanha.
Paramos algumas vezes para olhar a cada vez mais distante luz da entrada, com visão da revoada dos morcegos.
Os números pintados na parede marcam o avanço da jornada. Na altura dos 1200 metros, caminhamos rápidos e agora só olhávamos para a escuridão, além do alcance da luz de nossas lanternas.

Então, eis que algo reflete: A porta interna que dá acesso a galeria principal de adução da Usina Hidrelétrica Parigot de Sousa. Pelo tempo aqui  colocada, está em ótimo estado. Pelo método construtivo e instalação, demonstra a imensa força que pode suportar.  Do outro lado, passa a água que movimenta as turbinas lá embaixo.
Nos cumprimentamos por mais este objetivo alcançado.
Olhamos demoradamente cada detalhe. Fotografamos de vários ângulos. Rimos com uma estalagmite de forma pornográfica e iniciamos o retorno.
Toda volta sempre parece mais rápida, mas desta vez sentimos que aquela porta de saída não chegava nunca. As perneiras que deixamos para trás, pareciam ter sumido, mas o cálculo de distância enganou nossa percepção aqui dentro. Estavam, claro, onde as deixamos, bem visíveis, aguardando resgate.
Chegamos então de volta ao mundo exterior, mas antes nos retemos algum tempo, ainda dentro do túnel, para fotos e sensações finais.
Fechada a porta, segue a vida.
            As luvas e máscara descartáveis nem saíram de onde estavam, o ar estava agradável.
              E meu amigo, Roberto, não escreveu aquele bilhete de despedida...  (obrigado, Deus.)
A volta foi rápida e sem problemas, uma vez que a estrada está em perfeita condição de uso, numa caminhada, embora longa, bem suave serra abaixo.
Estava assim concluída mais uma aventura que estava registrada apenas nos meus sonhos e nos relatos de outras pessoas que já foram pra lá...
Estava conquistada assim a Conceição, a fronteira final da janela perdida...


Texto: Rafael Kozechen Pereira Souto e Roberto M. Carneiro
Agradecimentos especiais a “E. D. F.”, “R. G.” e “ G. C.”

Fotos completas no link do Orkut
http://www.orkut.com.br/Main#Album?uid=12408193263656446095&aid=1315723771 Fotos de Papael


Video no Youtube  (Em edição)