"Eternamente molhado, é um ótimo local para despencar em caso de poucos cuidados. Logo a frente, embora não tenham contato visual, sabem que seu próximo destino está logo à frente, tal qual um monstro contorcido, pronto para engolir qualquer um que ouse desafiá-lo."
-- O Pré- Projeto – (O
início de tudo!)
Em 1973, tendo em vista a dissolução
de dois grupos antagônicos, os Bebuns e Mamuca (Marumbi, Mulher e Cachaça),
alguns servindo o exército, outros casando, estudando, dando, ou coisa que o
valha, sobraram eu da turma do MAMUCA e outro do Clube dos Bebuns. Para não
morrer, montamos uma sociedade e comprando um terreno, construímos uma casa
onde fomos felizes para sempre enquanto durou.
Durante a semana fomos respeitáveis
trabalhadores em Curitiba e nos sábados domingos, feriados, férias, o Marumbi
era nossa praia. Passagem de ano com direito a guerra de foguetes contra nossos
vizinhos, festas de São João com grande fogueira, semana de carnaval com
proibição de falar no assunto, eleições para prefeito da República Livre do
Marumby, que depois virou monarquia; e entre uma trepada e outra, também trepávamos
nos morros, ou era ao contrário não lembro.
Muita gente festando, pois como o
poema, nas horas de riso a casa está cheia e tem gente apinhada, cascateando
alegrias. Em uma semana levávamos a família, as namoradas; aquilo tudo era um
santuário. Na semana seguinte era a da festa e das meninadas.
Mas chegaram as paixões, os nenéns, as
responsabilidades. Tudo virou família. E foi bom enquanto durou. Tive que
pensar no futuro e arrumei um emprego decente que me impedia de encontrar os
amigos, pois minhas folgas eram só durante a semana. Acabei deixando de ir,
pois se os dias passados sozinho na serra são lindos, as noites são cheias de
fantasmas, (risos). Os anos de zoeira acabaram. Vieram as caras-metades, os
filhos, a idade. Do original restou a fachada.
A casa está lá, e um dia voltei; não só,
mas sim com amigos. (Roberto M. Carneiro
– O Robertinho)
-- O início
de uma utopia—
Em 27 de Junho de 2010, três montanhistas:
Luiz Suzuki, Roberto Carneiro e Rafael Kozechen (Papael), resolveram ir ao
Marumbi fazer o Conjunto (subir a trilha branca ao Olimpo (1539 m) e descer
pela vermelha-noroeste-) com um diferencial, iriam realizar um desvio para o
Abrolhos (1200 m). Para maiores informações vide vídeo (http://www.youtube.com/watch?v=OhF-1I_IHV8 )
Em 06 de Novembro do mesmo ano,
encaminharam-se novamente
ao Marumbi para, dessa vez, fazer o caminho inverso e fazer um desvio para a
Esfinge. Para maiores informações vide vídeo (http://www.youtube.com/watch?v=AGrkj3gshDU
).
Na descida, entre uma parede e outra,
olharam para os lados e perceberam que havia muita coisa para conhecer: Torre
dos Sinos, Facãozinho e Boa Vista.
Entre uma conversa e outra surgiu a ideia
de fazer o Conjunto Marumbi Completíssimo, andando por todos os 9 cumes que
compõem o conjunto em 2 dias, porém, como o acampamento nos cumes do Marumbi se
faz proibido, ponderaram que deveriam fazer essa “pernada” em apenas 1 dia. Coisa
pesada!
O tempo foi passando e outros sonhos
foram sendo conquistados, Janela da Conceição, travessia do Ciririca “por
cima”, etc....; e os laços de amizade entre Robertinho e Papael foram se estreitando.
Com Marumbi marcado, Roberto e Papael
seguem no dia 03 de Março de 2012 para o local e, devido à chuva, abortam a
subida que tinham marcado. Com uma breve estiada, seguem pelo Parque visitando
Pedra Lascada, túnel do Rochedinho, Viaduto do Carvalho e Ponte São João, no retorno,
sobem pelo túnel do Rochedo e atingem o cume do Rochedinho; do alto, marcam que
a Completíssima deveria passar pela Pedra Lascada e Rochedinho pelo túnel,
descendo pelo outro lado, encontrando com a frontal do Olimpo. Em conversas posteriores,
abandonaram a ideia, pois 30 minutos poderia fazer falta ao final do projeto,
pelo suposto avançado da hora. Portanto, subiriam e desceriam o Rochedinho (1º
cume) pelo caminho normal, encontrando e seguindo pela frontal do Olimpo até o
desvio do Facãozinho.
Em 14 de Abril de 2012 a Torre dos
Sinos era o objetivo, torre separada de todas as outras, quase uma ovelha
negra, mitológica, mágica, difícil! Ao galgar a crista que dá acesso a esse outeiro,
percebem que pouco se usa a trilha dessa montanha tão inóspita. A dupla errou a entrada por apenas 5 metros,
encontrando a picada minutos depois e logo passam pela mítica “Passagem da Torre”,
que haviam lido em relatos e pesquisas, pois os mesmos não utilizam GPS (Global
Position Satélite). Depois que atingiram o ápice rochoso pensam: Agora falta pouco!
Obstinados, semanas depois Roberto
faz a troca para um veículo com tração 4x4, o que asseguraria a chegada a Estação
Eng. Lange bem mais descansados do que se fossem a pé a partir de Prainhas.
- O Projeto –
Enfim, após preparativos normais, na tarde
de 04 de Maio de 2012, uma sexta-feira, a dupla parte para o Marumbi, mesmo com
a previsão do tempo nada favorável. Enfrentam a péssima manutenção da Estrada
de Prainhas, diante da infinidade de valetas, com tamanha profundidade, que por
vezes pensavam que não conseguiriam chegar motorizados a Estação de Engenheiro
Lange. Com esforço, alcançam o ponto final para veículos e seguem sem problemas,
porem embaixo de chuva, a Estação Marumbi (485m).
Acordam as 03:15 da manhã para o início
da caminhada e após um café reforçado, mas com 15 minutos de atraso, as 04:15
saem em direção ao Rochedinho (625m). Avançam devagar devido a escuridão, num
breu misturado com neblina que inspirava uma sensação assustadora. A passos certeiros,
subiram ao primeiro cume da investida e cumprimentam-se com as mãos calcadas uma
a outra, em sinal de amizade e confiança, ritual esse que se seguiriam pelo resto
do dia a cada objetivo alcançado. Sem demora, retornam ao cruzo da Frontal,
chegando nesse ponto as 5:00 hs.
Realizam o desvio do Facãozinho
minutos depois e, sempre subindo, encontrando-se com o alvorecer. Percebem, com
o corpo já totalmente encharcado, as paredes gigantes da colossal montanha
crescendo do lado esquerdo, e com as águas raivosas do rio Taquaral rugindo
logo abaixo. As 07:00 da manhã se cumprimentam com mútuo aperto de mãos,
selando a chegada ao segundo cume do dia: Facãozinho (1.100m). Fotografia
apenas para registro, pois, como previsto, o céu estava totalmente nublado e a mata
molhada.
Descem a encosta e contentam-se ao
cruzar o Vale dos Ovos em menos de 15 minutos e verem que se encontram na
Picada do Pau do Maneco. Fazem breve descanso em um riacho, captando água para todo
o restante do trajeto e preparam-se para a subida que antecede o cume do Boa
Vista.
Os montanhistas alcançam o campo de
altitude e a relva dourada que se esparge pelo relevo abobadado a 1491 m. que
marca o cimo do Boa Vista pontualmente as 09:05 hs e realizam a primeira grande
parada para o café. Cumprimentam-se e descansam, 40 minutos depois, com os
corpos tremendo de frio, saem em direção ao vale que leva ao bloco rochoso do
Olimpo.
Chegam sem problemas a Pedra da Lagartixa, porém,
a partir daí o caminho segue um pouco mais dificultoso devido aos lances de
rocha que se seguem e com a mata cerrada impedindo o avanço. Alguns minutos
mais tarde, as 11:00 hs se veem no ponto sublime do maciço rochoso do Conjunto
Marumbi (1539m.). Respirando um pouco mais aliviados, veem que ainda estão 45
minutos adiantados do que o plano inicial. Descansam com o olhar perdidos para
os campos e outros píncaros que nesse dia se escondiam por entre as alvas
brumas que insistiam em velar o andamento dos aventureiros; comem rapidamente
e, após cumprimentos, fotos e registro no livro de cume, partem para o cume
largo do Gigante (1487m).
Passam sem problemas e seguem observando atentamente
para não perderem a entrada da Torre dos Sinos. Perder a entrada de qualquer um
dos objetivos seria perder preciosos minutos que fariam falta no derradeiro
objetivo, que seria alcançado logo mais tarde.
Entram à esquerda pelo Desvio da
Torre e sem titubear, seguem pelo caminho pelo qual andaram 1 mês e meio antes.
Logo alcançam a Passagem da Torre: Esta peculiar montanha está separada por
todos os lados das demais. Entre a Torre e o Abrolhos se encontra o
Desfiladeiro da Catedral e entre a Torre e o Gigante fica o Desfiladeiro dos
Sinos. Uma passagem estreita, que não dá chance para vacilos; e do outro lado
segue uma parede íngreme que também não deixa margem para titubeios. Minutos a
frente e já estão a pouca distância do cume. Às 14:10hs cumprimentam-se
novamente, no alto da pedra onde jaz duas pequenas traves de ferro, usadas para
estaquear uma antiga caixa de cume, que marcava o cume da Torre dos Sinos.
Os
aventureiros fazer o caminho de retorno, galgando as mesmas centenas de metros
que andaram minutos antes, enfrentando a parede e a subida da trilha, chegando
rapidamente até o cruzo da trilha principal.
Agora
já com o terreno dominado, porém com o cansaço dominando-os, desenvolvem até o
cume de mais um píncaro, atingindo as 15:10hs o 7º cume da empreitada. Mais um
aperto de mãos na cabeça do felino do Marumbi, a Ponta do Tigre.
Realizam
a descida, sem visual, até o apartamento nº11 e dali realizam o desvio para a
Esfinge. Comentam se deveriam deixar esse cume de fora. Roberto corajosamente
comenta: “Número 7 é número de mentiroso! Vamos colocar os cumes restantes no bolso!"
Sobem
sua parede escorregadia, passando ao lado da enorme greta que os ladeia.
Envolto entre as nuvens, realizam seu ritual habitual às 15:48 hs na mítica
Esfinge. Agora era hora de cuidados redobrados, pois o cansaço e o frio tomavam
conta nos corpos açoitados dos dois montanhistas.
Desenvolvem
a descida da parede da Esfinge vagarosamente e, uma vez mais no Apartamento
nº11, entram no Desfiladeiro das Lágrimas. Eternamente molhado, é um ótimo
local para despencar em caso de poucos cuidados. Logo a frente, embora não
tenham contato visual, sabem que seu próximo destino está logo à frente, tal
qual um monstro contorcido, pronto para engolir qualquer um que ouse
desafiá-lo.
Já
cambaleantes, alcançam o cruzo que os levaria para o píncaro do outeiro
preferido de Roberto. Param, ponderam, argumentam, decidem!
Nesse
trecho, estava marcado um longo descanso de duas horas, antes de cruzar morro
acima. Seria hora de recarregar as energias, sono, hidratação, de últimos
acertos. Porém, Roberto comenta com
Papael que já não tinha forças nas pernas, se ousassem parar pelo tempo
estimado, ele não levantaria mais, porém, subiria nem que fosse se arrastando
até o cume. O Abrolhos estava esperando-os.
E
lá vão, com bravura, com os corpos em frangalhos, subindo a escarpada trilha
para o "preferido". Roberto, puxando o peso do corpo apenas com os
braços pois suas pernas pouco podiam ajudar, e Papael com palavras de
incentivo, enchem o cume do Abrolhos com salvas e um abraço destemido, pisando
às 18:20 hs os 1.200m do 9º cume, o Abrolhos.
Descem
novamente ao cruzo, e agora mais tranquilos, fazer o retorno da bem conhecida
trilha. Realizam a descida de forma contida, porém, com surpresa, veem que
alcançaram as pedras do calçamento que marcam o início da Vila com menos de 2
horas de descida.
Com
as roupas sujas e encharcadas, corpos surrados porém com sorrisos nos lábios;
chegam ao ponto de partida, pontualmente às 20:15hs, coroando com louros as 16
horas que andaram. Cumprimentam-se, completando o ritual que haviam feito
durante cada etapa, as mãos se tocaram mais uma derradeira vez, selando para a
eternidade sua amizade. Brindam, sorriem, têm consigo que realizaram um grande
feito. Têm consigo que combateram o bom combate e firmaram de vez a sua
parceria por todo o sempre.
Talvez
alguns montanhistas ou alguns atletas atuais, incautos, dirão que podem fazer
esse trecho em metade do tempo ou menos. Alguns, quando a dupla comenta sobre a
“Completíssima” afirmam: Mas eu fiz em 12 horas! E os protagonistas os respondem:
“Todos os 9?” e esperam o olhar de dúvida que sempre surge na face dos seus
inquisidores.
Desculpe
se soar de forma arrogante, porém vou correr o risco:
Talvez
faça... Duvido!
Porque,
naquele fatídico ano de 2012, Roberto estava comemorando a juventude de seus 61
anos de idade.
E
então, topa o desafio?
Passam sem problemas e seguem observando atentamente para não perderem a entrada da Torre dos Sinos. Perder a entrada de qualquer um dos objetivos seria perder preciosos minutos que fariam falta no derradeiro objetivo, que seria alcançado logo mais tarde.
3 comentários:
Hehe! Boa!
E nem interessa saber se alguém faz ou não em menos tempo! Aliás eu, como muitos outros, vamos para as montanhas para demorar mesmo, não para perseguir troféus ou recordes de velocidade.
Como já disse Messner: "O tempo que estes homens passam nas montanhas é o tempo em que eles realmente vivem..."
Abraços!
Showww
Showww
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